Por André Maleronka
Um dos grupos mais propositivos do rap brasileiro, o Cagebe está com disco novo no forno, novamente pelo selo Equilíbrio, de KL Jay. Ao contrário do disco de estreia do Cada Gênio do Beco – agora um trio com Cezar Sotaque, Shirley Casa Verde e DJ Paulinho –, "O Vilarejo" tem batidas de uma série de produtores.
Ouvi no primeiro disco de vocês e acho que nesse clipe novo, “Oba! Clareou”, também tem isso: é um rap com música brasileira, mas não do jeito que costuma ser, de misturar com samba ou usar sample de bossa nova.
Desde o primeiro disco a gente já falava bastante nisso. Apesar de a gente saber que a raiz do rap não nasce no Brasil, o Brasil incorpora muito isso, ele vem e começa a brotar aqui. Acho que é preciso criar uma identidade, e a gente busca isso. Por mais que usemos um sample gringo, temos essa preocupação de fazer algo com a cara daqui. E gostaria de explorar mais ainda a música brasileira. Falta oportunidade, a dificuldade é por causa das editoras. Não que não seja justo [pagar], lógico que é, mas acho que o caminho deveria ser mais aberto, pra podermos fazer uma releitura da música brasileira e isso poder sair do nosso país – em português mesmo. Nunca diga nunca, mas acho que não faria uma música em inglês pra tocar lá fora, porque não vejo eles fazendo isso. Ninguém vem pra cá e canta em português, mas sempre pegam os samples brasileiros. Lógico, não dá pra comparar, a realidade deles é outra, vários são milionários, a gente é trabalhador. Mas nossa procura é a brasilidade.
Foi mais difícil fazer isso nesse disco novo, por trabalharem com mais de um produtor em vez de um só?
Quando tem mais gente trabalhando, tem mais ideias. Mas procuramos ter esse cuidado – mesmo que o produtor mande algo criado por ele, a gente tenta criar junto. Não pegamos uma batida e cantamos em cima. A música precisa ser construída em conjunto.
"Você vai num baile de funk, o que rola? Funk feito no Brasil. Num baile de rap, o que toca? Rap gringo."
Esse processo é sempre em conjunto?
No primeiro disco, quando o André tava no grupo ainda, a gente fazia junto. Ele rabiscava o que queria fazer, trazia pra mim, e eu fazia a mesma coisa com ele. No segundo disco, com a saída dele, isso é comigo e a Shirley – e o Paulinho vem com batidas e samples.
Como tá de show?
O rap mudou muito. Muitos grupos não existem mais, outros surgiram, muitos produtores de eventos não trabalham mais, outros estão aí. Com essa entrada do funk, principalmente em São Paulo, a gente percebe que perdeu espaço. Não tô dizendo que o funk é culpado disso, ele ocupa um espaço deixado pela gente. No interior ainda estão rolando umas coisas, e em outros estados também. São Paulo mudou muito. Tem alguns eventos de rua, mas não tanto como tinha por volta do ano 2000 – talvez com pouca qualidade, mas acontecia.
Mas a saída não seria fazer eventos junto?
O diálogo precisa existir. O rap é música, independente de estar junto com funk, com samba ou sertanejo. Não sei o que impede, se a gente é tão conservador que não quer interagir, ou os investidores de outros estilos não querem o rap. Público existe. A grande mídia nomeia um cara – no caso o Marcelo D2. Mas tem muito mais gente. Qualidade tem. Reduziu o número de grupos, mas teve um ganho de qualidade – tem muito grupo bom. Você vai num baile de funk, o que rola? Funk feito no Brasil. Num baile de rap, o que toca? Rap gringo. Não que não tenha que tocar, mas a gente desvaloriza o nosso, o que temos de bom. Poucos tocam rap brasileiro. KL Jay, Cia, King, Marco, eles tocam. Mas não temos uma casa onde toca rap brasileiro. O Eminem acabou de tocar aqui, imagina se ele quer conhecer o rap brasileiro. Tem uma casa onde toca rap brasileiro, uma referência? Não tem. Se ele for num baile, vai ouvir música dele. Ficam com esse papo: fulano faz música pra pista, fulano faz música pra periferia. Isso é bobagem, quem decide é o público. Só que se ele não escutar, como vai saber se é bom ou ruim?
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